8 de jul. de 2009

QUEM INVENTOU O ZERO?

Al-Khalili, J.

Por exemplo, se perguntarmos a alguém o que foi que os árabes nos trouxeram, depois do rol habitual de tapetes mágicos, Ali Babá, danças do ventre, tamareiras e poços de petróleo, o exemplo mais frequentemente citado é a invenção do zero. A verdade, porém, é que, embora a matemática árabe fosse extraordinariamente diversificada e avançada – foram eles que desenvolveram duas novas disciplinas: a álgebra e a trigonometria – essa invenção não lhes pode ser atribuída. Qual é então a origem desta valorização do nada matemático?

Acontece que a resposta a esta pergunta não é assim tão simples, porque a pergunta “Quem descobriu o zero?” pode significar várias coisas diferentes e, para cada caso, a resposta será também diferente. Poderá tratar-se da pergunta: quando foi feita a primeira utilização de um símbolo, ou marca, para indicar um espaço em branco dentro de um número (por exemplo, para podermos distinguir entre os números 11 e 101)? Ou poderá ser: quando se valorizou pela primeira vez o zero, enquanto conceito filosófico que simboliza o nada? Ou ainda: qual a primeira referência ao zero, enquanto número de pleno direito?

A definição mais elementar de zero é a de uma notação posicional dentro de um número. No início do segundo milênio a.C., os antigos babilônios precisavam de poder estabelecer distinções entre os números nas suas tabelas astronômicas estelares. Assim, sempre que necessário, deixavam um espaço entre os símbolos para indicar um lugar vazio (onde hoje utilizaríamos o símbolo zero).

Muito mais tarde, os babilônios selêucidas, que governaram o território que é hoje o Iraque como sucessores de Alexandre, o Grande, inventaram um símbolo para substituir este ambíguo espaço dos antigos babilônios. Assim, o mais antigo símbolo conhecido para o zero encontra-se, cerca de 300 a.C., em muitas placas de argila babilônicas cobertas de escrita cuneiforme.

Os antigos gregos foram fortemente influenciados pela astronomia babilônica e pela matemática a ela associada. Por conseguinte, precisavam também de um símbolo para o zero e escolheram a letra grega ómicron (décima quinta letra do alfabeto grego, correspondente ao o aberto). Porém, este símbolo zero também não era ainda um número, nem sequer um conceito, de pleno direito. E quanto ao conceito de zero como representação do nada? Aqui, o mérito terá de ser atribuído aos antigos gregos. Mais especificamente, foi o grande Aristóteles (384-322 a.C.), o mais famoso filósofo que jamais viveu, quem primeiro escreveu claramente sobre o zero enquanto conceito matemático.

Na sua grande obra, conhecida como a “Física” de Aristóteles, ele descreve a ideia do zero matemático em relação a um ponto numa linha e explica-a da seguinte forma: se a velocidade de qualquer objeto em movimento aumentar proporcionalmente à resistência (ou densidade) do meio através do qual ele se desloca, a sua velocidade no vácuo (ou vazio) terá necessariamente de ser infinita, uma vez que aí não há qualquer resistência. Segundo Aristóteles, isto demonstrava a impossibilidade da existência do vazio. Evidentemente, hoje sabemos que as ideias de Aristóteles sobre física estão erradas, mas não há dúvida de que o homem sabia pensar.

Passamos agora à questão mais importante de tratar o zero como um número de pleno direito, que deve ser considerada como correspondendo à verdadeira invenção do zero. É geralmente aceite que o símbolo do zero nos chegou da Índia, integrando o pacote trazido pelo Império Islâmico Medieval, juntamente com a notação decimal. Parece não haver dúvida de que, já em 505 d.C., os hindus consideravam o zero como um número real, mais do que um mero símbolo. Brahmagupta, o maior de todos os cientistas indianos medievais, afirmou corretamente em 628 da Era Comum que zero multiplicado por qualquer número finito dá zero e descreveu a impossibilidade da divisão de um número por zero.

Concluímos, então, que a resposta à pergunta “Quem inventou o zero?” é a seguinte: os babilônios inventaram o primeiro símbolo do zero, os gregos foram os primeiros a compreender o conceito de

zero e os indianos utilizaram o zero pela primeira vez como número de pleno direito. Parece que nunca nada é simples e, neste caso, a origem do nada acaba por não ser nada simples.

REFERÊNCIA

Al-Khalili, J. Quem inventou o zero? Gazeta de Física. Edição Impressa - Vol. 32 (2009) Fasc. 1-2

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