5 de fev. de 2011

A QUÍMICA DO ORANGOTANGO....



Crónica publicada no "Diário de Coimbra":

O genoma do orangotango foi agora publicado na revista Nature, e apresenta cerca de 3% de diferença com o nosso. Mas a química do orangotango não é diferente da nossa.

Muito pelo contrário, partilhamos com este primata, assim como com todas as espécies vivas, muitas coisas em comum. Tanto o comum à vida como as diferenças na base da biodiversidade estão inscritas em longas sequências de quatro de moléculas (guanina, adenina, timina e citosina) integrantes do biopolímero que vulgarmente designamos por DNA (ácido desoxirribonucleico). É a diferente sequência daquelas moléculas alinhadas na dupla hélice de DNA que funcionaliza a mensagem química dos genes.

Em que é que diferem aquelas quatro moléculas? Diferem em arranjos e proporções diferentes de átomos de carbono, oxigénio, nitrogénio e hidrogénio. As diferenças nas vizinhanças químicas locais na dupla hélice de DNA expressam genes diferentes, que por sua vez corporizam instruções para proteínas com funções diferenciadas e específicas. O resultado global é uma espécie de organismo diferente. Um braço peludo mais comprido, uma posição bípede mais vertical, etc.

Recorde-se, a propósito do presente Ano Internacional da Química, que se deve muito à Química (mas também à Física, à Matemática e à Biologia, entre outras disciplinas) o conhecimento que está na base da genética molecular e que permite hoje, de forma multidisciplinar, a sequenciação genómica. Vejamos, de forma breve, porquê.

Como se disse, o genoma é constituído por longas moléculas de DNA. Este foi descoberto em 1869 pelo químico alemão Johann Friedrich Miescher (1844 – 1895) no núcleo de glóbulos brancos. Miescher escolheu estas células por serem relativamente grandes e também por possuírem núcleos grandes. Esta descoberta não permitiu associar de imediato o DNA à “molécula da hereditariedade”. De facto, foram necessários cerca de mais 80 anos para que se confirmasse que são os ácidos nucleicos os componentes estruturais e funcionais dos genes. Durante todo este tempo muitos cientistas defenderam que eram as proteínas, e não os ácidos nucleicos, as moléculas de que os genes eram feitos. Parecia estranho toda a diversidade da vida poder ser codificada pela monótona constituição molecular do DNA, pelo que a genética deveria ser escrita com a maior diversidade apresentada pelas proteínas.

Duas experiências foram determinantes para esclarecer a comunidade científica sobre a "molécula dos genes".

Em 1944, o médico e bioquímico Oswald Avery (1877 – 1955) e seus colaboradores demonstraram que só o DNA (o “princípio transformador” como lhe chamaram), era “capaz” de “transformar” estirpes diferentes da bactéria pneumococo (R e S) umas nas outras.

Em 1952, o trabalho do microbiologista Alfred Hershey (1908 -1997) e da geneticista Martha Chase (1927 – 2003) colocou um ponto final e abriu um novo capítulo à genética molecular com a experiência de transferência de DNA viral (do bacteriófago T2) para bactérias, na qual ficou claramente demonstrada que era o DNA e não as proteínas a argamassa genética da vida.

Martha Chase

Em 1953, o biólogo James Watson e os físicos Francis Crick, Maurice Wilkinson e Rosalind Franklin, através dos estudos por difracção de raios X de cristais de sais de DNA, recolheram a informação física e química necessária para propor a estrutura tridimensional em dupla fita helicoidal do DNA. Note-se que esta descoberta resultou de um trabalho fundamentalmente de física e química. Diríamos hoje de biofísica e bioquímica.


Rosalind Franklin

Neste ano também dedicado às mulheres na química é de realçar nesta história que tanto Martha Chase como Rosalind Franklin não foram galardoadas com o prémio Nobel, enquanto os seus colaboradores directos o foram pelas mesmas descobertas.
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