2 de jul. de 2009

A EDUCAÇÃO NA ERA LULA - FHC

Tem-se falado muito sobre a qualidade da educação, no Brasil, ultimamente. Parece que, organizados “os fundamentos da economia”, chegou finalmente a hora do país pensar em educação, sem o que não haverá crescimento sustentável. Esta-se descobrindo finalmente que o fator humano é de fundamental importância, embora continuemos pensando a cultura não como uma aquisição ampla e necessária da humanidade, mas restrita às questões técnicas e pragmáticas. A educação como imperativo econômico. Já ouvi economista respeitado dizer na tv que, ao invés de aprender “questiúnculas de gramática”, o trabalhador deve ter é formação profissional. A sociedade do conhecimento, no Brasil, se limita ainda a preparar mão-de-obra, não a produzir ou estimular cérebros competentes. Com efeito, se por essa ordem virtual cérebro (leia-se produção de ciência e tecnologia) vem em terceiro lugar, e mão-de-obra como simples operação de máquinas em segundo – o que vem em primeiro? Educação fundamental. O básico. Não temos nem isso, com suficiência. Nos últimos quatorze anos, o Brasil foi governado por uma geração identificada com a democracia e com os anseios populares, a geração que se deixou liderar por FHC e por Lula, símbolos de resistência e de progresso social, sob um regime de opressão. É curioso, portanto, que ambos não tenham feito pela educação o que o país inteiro esperou que fizessem. Eu esperei e tenho certeza que muitos dos leitores desse artigo esperaram.

Digo “mesmo” porque temos aqui uma enorme contradição, daquelas que nos fazem desacreditar nos homens e nos projetos políticos. Não importa se um deles passará à história como, provavelmente, um dos dois ou no máximo três melhores presidentes que o país já teve, a despeito das incoerências de seu governo. Isso ocorre porque educação, no Brasil, nunca foi - e não é - prioridade de governo; não é, ao pé da letra, Projeto de Nação. Contentam-se nossos agentes políticos, sediados em Brasília, com reformas pontuais e com os gastos de sempre, prescindindo da única coisa que fará realmente diferença ao país: uma revolução nesse setor. Getúlio Vargas priorizou a industrialização, Juscelino a construção de Brasília, os militares a infra-estrutura nacional, o próprio FHC o combate à inflação – porque não pode haver um que bata na mesa e diga que a prioridade é a educação!? Não há o menor indício de que isto esteja ocorrendo ou em vias de acontecer, no Brasil: não se nega eventuais melhoras, mas, decididamente, não acontece uma transformação visível, patente e inquestionável. Isso não. Os dados apresentados todos os dias na imprensa dizem exatamente o contrário, com o benefício de nossa percepção: que a coisa continua de mal a pior, mesmo sob os mandatos de FHC e Lula.

Segundo dados recentes, amplamente divulgados pela mídia, a educação fundamental é um dos gargalos ao desenvolvimento do Brasil. A Lei de Diretrizes e Bases da Educação, em vigor desde 1996, diz em seu artigo 32 que essa etapa intermediária da formação escolar objetiva “à formação básica do cidadão”, mediante, ente outras coisas, “o domínio pleno da leitura, da escrita e do cálculo”. Quem dá aula em escola pública, para alunos da quinta à oitava séries, sabe muito bem que “domínio pleno” está muitíssimo distante da realidade. O estudante em questão mal sabe ler e escrever – diria mesmo que tem aversão aos dois processos, sem os quais, ao lado do cálculo, não há possibilidade de mão-de-obra especializada, muito menos de ciência e tecnologia. Sem contar o contraste diante do elenco de valores familiares e sociais requeridos por essa lei, já que impera quase sempre o caos e a violência nas escolas. Faltam-lhes estruturas adequadas, além dos péssimos salários pagos a profissionais que deviam ter, no mínimo, o status de médico: o professor.

FHC e Lula por causa de suas afinidades políticas de origem e muito mais por causa de suas biografias. O fato de um ter nascido filho de general e outro de retirante é uma vicissitude, não chega a ser um abismo. De realidades diametralmente opostas – um virou acadêmico e o outro não passou da quinta série –, não apenas convergiram sua liderança em favor de um país mais justo como, também, viram definidas suas relações com a educação: um por falta, o outro por, digamos assim, “excesso”. Um conquistou vários títulos de doutor honoris causa pelo mundo afora, o outro apenas o estigma de “analfabeto”, até entre os analfabetos de verdade (o que é coerente). A junção daquele ideal de justiça com esse contraste de formação representa, com efeito, uma grande ironia, para o Brasil contemporâneo. Nosso país nutriu boas expectativas seja com o primeiro presidente intelectual de sua história, seja com o primeiro que quase não freqüentou a sala de aula. O favor de um adveio justamente da oportunidade que lhe deu a educação, o encanto do outro do fato de ter sido excluído dela, pelas contingências da vida. Entenda-se: um nos compreenderia porque era mais esclarecido, o outro porque era igual a nós - um prático sem firulas, que teria legitimidade para reclamar um direito universal. Lula conheceu a exclusão social na prática, FHC na teoria. Justiça seja feita, poucos estudiosos traçaram um diagnóstico tão preciso de nossa realidade social como este scholar, e, até certa idade, ninguém encarnou tão bem o excluído quanto aquele, retirante. FHC e Lula, com efeito, porque conheciam o Brasil melhor do que ninguém, e se um foi operário, o outro foi professor: ambos tiveram a experiência e a expectativa do trabalhador comum – aquele que faz greves e reclama por melhores salários. Lula e FHC, se quisermos mais motivos, porque ambos lutaram contra a Ditadura, e se por essa razão um acabou no exílio, o outro conheceu a cadeia. Um foi marxista (conceitualmente, um dos melhores que tivemos), e o outro, se não chegou a tanto, fundou um partido que é, estatuariamente, socialista. Acreditem, é a pura verdade!

FHC e Lula, obviamente, seriam os líderes nacionais mais sensíveis à educação, até porque viveram entre estudantes e professores: vivenciaram esse mundo como “mestre” e como “companheiro”. Mais que Sarney, mais que Collor, que Itamar ou que qualquer outro presidente em nossa história republicana inteira. Eram particularmente íntimos desse universo. Não apenas instigaram, sobretudo conquistaram a simpatia de estudantes e professores: eram os naturais porta-vozes dessa gente, candidatos a finalmente resolver o maior impasse da nação, a fazer uma revolução sem armas: a revolução da educação. Tinham apoio e representavam a esperança. Candidataram-se e chegaram ao poder. De deputado e senador foram elevados sucessivamente a presidentes da República. Teria chegado a hora. Mas deu errado. Deu errado: logo descobrimos que a educação de um era tamanha que seu principado se confundiu com o da elite charmosa e esclerosada, e que a carência do outro era tão marcante que teve orgulho de se bastar ao seu conhecimento prático das coisas, sem poder incentivar o amor aos livros e à escrita. Um parece simplesmente ter desprezado os sem-educação, o outro - ressentido? -, os educados. Provaram-se extremos demais. Não eram, infelizmente, os candidatos a cumprir esse papel revolucionário. Faltou-lhes equilíbrio.

Hoje podemos dizer, sem nenhum receio, que, se em doze anos à frente do governo, FHC e Lula não deram o passo imenso da educação no Brasil (investiram o bastante para manter o ritmo ordinário da história), não será nos próximos dois anos que isso se fará. Aí teremos interado dezesseis anos e fechado um ciclo. Um ciclo, também, de desencanto. Se esses dois homens, com as credenciais e os votos de apoio que tiveram, acharam desnecessário uma revolução na educação – quem, em seu lugar, achará que é necessário?

AUTOR: J. C. Guimarães

FONTE: REVISTA BULA

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