Tem-se falado muito sobre a qualidade da educação, no Brasil, ultimamente. Parece que, organizados “os fundamentos da economia”, chegou finalmente a hora do país pensar em educação, sem o que não haverá crescimento sustentável. Esta-se descobrindo finalmente que o fator humano é de fundamental importância, embora continuemos pensando a cultura não como uma aquisição ampla e necessária da humanidade, mas restrita às questões técnicas e pragmáticas. A educação como imperativo econômico. Já ouvi economista respeitado dizer na tv que, ao invés de aprender “questiúnculas de gramática”, o trabalhador deve ter é formação profissional. A sociedade do conhecimento, no Brasil, se limita ainda a preparar mão-de-obra, não a produzir ou estimular cérebros competentes. Com efeito, se por essa ordem virtual cérebro (leia-se produção de ciência e tecnologia) vem em terceiro lugar, e mão-de-obra como simples operação de máquinas em segundo – o que vem em primeiro? Educação fundamental. O básico. Não temos nem isso, com suficiência.
Digo “mesmo” porque temos aqui uma enorme contradição, daquelas que nos fazem desacreditar nos homens e nos projetos políticos. Não importa se um deles passará à história como, provavelmente, um dos dois ou no máximo três melhores presidentes que o país já teve, a despeito das incoerências de seu governo.
Segundo dados recentes, amplamente divulgados pela mídia, a educação fundamental é um dos gargalos ao desenvolvimento do Brasil. A Lei de Diretrizes e Bases da Educação, em vigor desde 1996, diz em seu artigo 32 que essa etapa intermediária da formação escolar objetiva “à formação básica do cidadão”, mediante, ente outras coisas, “o domínio pleno da leitura, da escrita e do cálculo”. Quem dá aula em escola pública, para alunos da quinta à oitava séries, sabe muito bem que “domínio pleno” está muitíssimo distante da realidade. O estudante em questão mal sabe ler e escrever – diria mesmo que tem aversão aos dois processos, sem os quais, ao lado do cálculo, não há possibilidade de mão-de-obra especializada, muito menos de ciência e tecnologia. Sem contar o contraste diante do elenco de valores familiares e sociais requeridos por essa lei, já que impera quase sempre o caos e a violência nas escolas. Faltam-lhes estruturas adequadas, além dos péssimos salários pagos a profissionais que deviam ter, no mínimo, o status de médico: o professor.
FHC e Lula por causa de suas afinidades políticas de origem e muito mais por causa de suas biografias. O fato de um ter nascido filho de general e outro de retirante é uma vicissitude, não chega a ser um abismo. De realidades diametralmente opostas – um virou acadêmico e o outro não passou da quinta série –, não apenas convergiram sua liderança em favor de um país mais justo como, também, viram definidas suas relações com a educação: um por falta, o outro por, digamos assim, “excesso”. Um conquistou vários títulos de doutor honoris causa pelo mundo afora, o outro apenas o estigma de “analfabeto”, até entre os analfabetos de verdade (o que é coerente). A junção daquele ideal de justiça com esse contraste de formação representa, com efeito, uma grande ironia, para o Brasil contemporâneo. Nosso país nutriu boas expectativas seja com o primeiro presidente intelectual de sua história, seja com o primeiro que quase não freqüentou a sala de aula. O favor de um adveio justamente da oportunidade que lhe deu a educação, o encanto do outro do fato de ter sido excluído dela, pelas contingências da vida. Entenda-se: um nos compreenderia porque era mais esclarecido, o outro porque era igual a nós - um prático sem firulas, que teria legitimidade para reclamar um direito universal.
FHC e Lula, obviamente, seriam os líderes nacionais mais sensíveis à educação, até porque viveram entre estudantes e professores: vivenciaram esse mundo como “mestre” e como “companheiro”. Mais que Sarney, mais que Collor, que Itamar ou que qualquer outro presidente em nossa história republicana inteira. Eram particularmente íntimos desse universo. Não apenas instigaram, sobretudo conquistaram a simpatia de estudantes e professores: eram os naturais porta-vozes dessa gente, candidatos a finalmente resolver o maior impasse da nação, a fazer uma revolução sem armas: a revolução da educação. Tinham apoio e representavam a esperança. Candidataram-se e chegaram ao poder. De deputado e senador foram elevados sucessivamente a presidentes da República. Teria chegado a hora.
Hoje podemos dizer, sem nenhum receio, que, se em doze anos à frente do governo, FHC e Lula não deram o passo imenso da educação no Brasil (investiram o bastante para manter o ritmo ordinário da história), não será nos próximos dois anos que isso se fará. Aí teremos interado dezesseis anos e fechado um ciclo. Um ciclo, também, de desencanto. Se esses dois homens, com as credenciais e os votos de apoio que tiveram, acharam desnecessário uma revolução na educação – quem, em seu lugar, achará que é necessário?
FONTE: REVISTA BULA
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