Eletricidade do ar
Alimentar casas e fábricas com eletricidade coletada diretamente do ar pode ser possível: cientistas brasileiros resolveram um enigma científico que durava séculos sobre como a umidade na atmosfera torna-se eletricamente carregada, abrindo caminho para seu aproveitamento.
Imagine dispositivos capazes de capturar a eletricidade do ar e usá-la para abastecer residências ou recarregar veículos elétricos, por exemplo.
Da mesma forma que painéis solares transformam a luz do Sol em energia, esses painéis futurísticos poderão coletar a eletricidade do ar - a mesma eletricidade que forma os relâmpagos - e direcioná-la de forma controlada para alimentar qualquer equipamento elétrico, nas casas e nas indústrias.
Se isso parece revolucionário demais, mais entusiasmante ainda é saber que a descoberta que poderá tornar esses sonhos uma realidade foi feita por um cientista brasileiro.
O professor Fernando Galembeck, da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas) apresentou suas descobertas históricas hoje (25) durante a reunião da American Chemical Society (ACS), em Boston, nos Estados Unidos.
"Nossa pesquisa pode abrir o caminho para transformar a eletricidade da atmosfera em uma fonte de energia alternativa para o futuro," disse Galembeck. "Assim como a energia solar está liberando algumas residências de pagar contas de energia elétrica, esta nova e promissora fonte de energia poderá ter um efeito semelhante."
Eletricidade atmosférica
A descoberta do professor Galembeck parece resolver um enigma científico que já dura séculos: como a eletricidade é produzida e descarregada na atmosfera.
No início da Revolução Industrial, os cientistas perceberam que o vapor que saía das caldeiras gerava faíscas de eletricidade estática - trabalhadores que se aproximavam dos vapores eram frequentemente atingidos pelos choques elétricos.
Mas essa eletricidade se forma também em locais mais amenos, quando o vapor de água se junta a partículas microscópicas no ar, o mesmo processo que leva à formação das nuvens - é aí que começam a nascer os relâmpagos.
Nikola Tesla ficou famoso pelas suas tentativas de capturar e utilizar essa eletricidade do ar, tentativas infelizmente nem sempre bem-sucedidas.
Mas, até agora, os cientistas não tinham um conhecimento suficiente sobre os processos envolvidos na formação e na liberação de eletricidade a partir da água dispersa pela atmosfera.
"Se nós soubermos como a eletricidade se acumula e se espalha na atmosfera, nós também poderemos evitar as mortes e os danos provocados pelos raios," estima Galembeck.
Higroeletricidade
Os cientistas sempre consideraram que as gotas de água na atmosfera são eletricamente neutras, e permanecem assim mesmo depois de entrar em contato com as cargas elétricas nas partículas de poeira e em gotículas de outros líquidos.
Mas o professor Fernando Galembeck e sua equipe descobriram que a água na atmosfera adquire sim uma carga elétrica.
O grupo brasileiro confirmou essa ideia por meio de experimentos de laboratório que simulam o contato da água com as partículas de poeira no ar.
Eles usaram minúsculas partículas de sílica e fosfato de alumínio - ambas substâncias comumente dispersas no ar - para demonstrar que a sílica se torna mais negativamente carregada na presença de alta umidade, enquanto o fosfato de alumínio se torna mais positivamente carregado.
"Esta é uma evidência clara de que a água na atmosfera pode acumular cargas elétricas e transferi-las para outros materiais que entrem em contato com ela," explicou Galembeck. "Nós a chamamos de higroeletricidade, ou seja, a eletricidade da umidade."
Coletores de energia do ar
Painéis para capturar a energia
higroelétrica poderão ser colocados no topo dos prédios para drenar a energia do ar e impedir o acúmulo das cargas elétricas que são liberadas na forma de raios. [Imagem: Martin Fischer]
No futuro, segundo Galembeck, poderá ser possível desenvolver coletores - similares às células solares que coletam a luz solar para produzir eletricidade - para capturar a higroeletricidade e permitir seu uso em residências e empresas.
Assim como as células solares funcionam melhor nas regiões mais ensolaradas do mundo, os painéis higroelétricos vão funcionar de forma mais eficiente em áreas com alta umidade, uma característica das regiões tropicais, Brasil incluído.
Alta umidade significa altos níveis de vapor de água no ar - um vapor que se torna visível ao se condensar e embaçar os vidros do carro, por exemplo, e cuja baixa intensidade incomoda tanto nos dias secos de inverno.
Galembeck afirmou em sua apresentação que uma abordagem semelhante poderia ajudar a prevenir a formação de raios. Ele vislumbra a colocação de painéis higroelétricos no topo de prédios em regiões onde ocorrem muitas tempestades. Os painéis drenariam a energia do ar, impedindo o acúmulo das cargas elétricas que são liberadas na forma de raios.
Seu grupo de pesquisa já está testando metais para identificar aqueles com maior potencial para utilização na captura da eletricidade atmosférica e prevenção dos raios.
"São ideias fascinantes que novos estudos, nossos e de outras equipes de cientistas, poderão tornar realidade," disse Galembeck. "Nós certamente temos um longo caminho a percorrer. Mas os benefícios no longo prazo do aproveitamento da higroeletricidade podem ser substanciais."
Fenômenos eletrostáticos
Durante o século 19, houve vários relatos experimentais associando a interface ar-água e os fenômenos eletrostáticos da chamada "eletricidade do vapor". O famoso Lord Kelvin idealizou um equipamento, que ele chamou de condensador de gotas de água, para reproduzir experimentalmente o fenômeno.
Contudo, até hoje ninguém havia conseguido descrever os mecanismos do acúmulo e da dissipação das cargas elétricas na interface ar-água.
Isso pode dar a dimensão dos resultados agora obtidos pelos cientistas brasileiros.
O trabalho do professor Fernando Galembeck e sua equipe demonstra que a adsorção do vapor de água sobre superfícies de materiais isolantes (dielétricos) ou de de metais isolados - devidamente protegidas dentro de um ambiente blindado e aterrado - leva à acumulação de cargas elétricas sobre o sólido, em um intensidade que depende da umidade relativa do ar, da natureza da superfície usada e do tempo de exposição.
A pesquisa verificou ainda um aumento acentuado nas cargas elétricas acumuladas quando são usados substratos líquidos ou isolantes sólidos, sob a ação de campos externos, quando a umidade relativa do ar se aproxima de 100%.
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